Sing e Speechlees
Sing era uma canção linda, calma e romântica que adorava vagar
cantando por todos os cantos do mundo, pegar carona com o Vento e não gostava
de se apegar a nada. A maior vontade dela era ser sentida, encantar e mostrar
para todo mundo toda a sua arte: seu som; mas, apesar do talento, não era
sentida nem tocava ninguém, com exceção do seu colega Vento, que a sentia e
amava o som dela.
Quase todas as noites, no
momento em que as Onzes da noite despertava, Sing, deitada no colo do Vento, cantava, olhava para Lua,
sentindo que algo lhe faltava: um vazio que nem sequer o colega sabia o que
era. E na hora em que o vazio arranhava o coração dela, o Vento logo a
consolava soprando na face de Sing, que cantava
perguntando ao olhar para Lua: - Sou linda, calma e romântica. Por que não toco
ninguém? Por que? Por quê?
Numa praia, numa noite, no
instante em que as Onzes dormiu, a canção ao parar de
cantar, duas nuvens que estavam ao lado da Lua acalentando-a passaram a
chocar-se como se fossem duas mãos batendo palmas, para reverenciar o canto de Sing. E na ocasião em que pararam de se chocar, elas (uma
nuvem tinha o formato de S e a outra o de S ao contrário), uniram-se,
beijaram-se, formando um coração que levava o olhar da canção em direção a uma
fortaleza iluminada com a forma da lua cheia. Mesmo tão distante,
Sing podia vê-la assim como via o Luar, e logo
depois, passou a ouvir um som desconhecido que vinha daquele lugar. O som
parecia uma mão que suplicava a ida dela até a fortaleza. - Vem! Vem! Vem! –
expressava o som.
Não demorou muito para a canção, bastante curiosa,
ir até lá.
– Vento, leve-me até aquele lugar iluminado,
que está bem distante – com ansiedade, pediu.
Eram 00:22,
aproximadamente, quando o Vento reclamou: - Oh! Não! A esta hora! Logo
agora. Estou com sono e cansado, mas vou te levar.
Carregada pelo Vento,
apreensiva, Sing ia em
direção a ela; e ao passo que se aproximava, as duas nuvens se desmanchavam aos
poucos. Às 00:59, quando chegou à fortaleza, que
ficava no centro dum oceano, as duas nuvens sumiram, e aquele som desconhecido era
mais nítido, bem sentido.
Já em frente, ela ficava
surpresa com a imensidão e arquitetura de a fortaleza, que lembrava, naquele
instante, a lua minguante e mistério. Todos os quartos estavam escuros, exceto
um que estava na parte mais alta, era bem iluminado e chamava a atenção por
causa da iluminação e do som imensos.
- Você vai ficar aí parada só olhando? –
perguntou o Vento.
- Não. Claro que não. É que
estou abismada admirando este local. Estar nele é
estar na Lua. Você pode me levar até lá, até aquele quarto iluminado?
- Puxa! Eu não gosto de
ficar subindo e de altura; mas, por você, farei mais esse esforço.
Com a ajuda do Vento, ela subia e subia (como
estivesse flutuando), chegando até o quarto.
- Vento, obrigada por tudo.
Você foi demais. Sinto que vou aqui ficar bastante tempo. Acho melhor a gente
se despedir. Você está tão cansado e com uma cara de sono; depois você vem me
pegar.
- Você tem razão. Eu tenho
de ir mesmo. Estou com muito sono e cansado. Preciso ir. Aqui não dá para
descansar por causa desse alto barulho. Tchau! Sing –
emocionado, despediu-se o Vento dando um beijo na orelha dela.
- Tchau! Até logo. Por que
o Vento deu um beijo na minha orelha? – despediu-se e logo depois, pensou.
Sentada numa das janelas enormes e redondas,
dava tchau para o Vento, e logo depois que o mesmo sumiu no meio das águas,
abismada, passou a observar aquele som que se chamava Rock, o qual embalava
homens e mulheres que estavam todo de branco e dançavam alucinados de olhos
arregalados. Vendo Rock ser sentido e encantar, ela resmungava:
- Esse som é feio, rústico
e veloz. Como ele pode ser sentido e agitar todas essas pessoas? Eu sou linda,
romântica e calma e não consigo ser sentida nem tocar ninguém. Por que isso?
- Acho que somente Deus
deve saber. Eu não entendo, também, como ele pode ser sentido e tocar todas
essas pessoas – comentou Speechlees, depois de ouvir
a reclamação dela. – Speechlees: um arranjo lindo e
romântico que estava próximo de Sing, a qual nem
sequer tinha-o visto e ficou encantada com a voz e aparência dele.
Depois de Speechlees falar, ela nem disse um oi sequer para ele.
Paralisada, sentia uma enorme vontade de bater um papo com ele, mas o orgulho
era maior que a vontade. Speechlees, também, tinha se
encantado e queria conversar, mas, também, sentia um enorme orgulho. Lado a
lado, sentados, os dois observavam as pessoas dançarem, e de vez em quando, um
olhava para o outro, disfarçando.
A canção, impaciente e
curiosa para saber o segredo de Rock, desceu da janela, olhando meigamente, um
olhar de despedida para Speechlees, e passou a andar
no meio das pessoas, que não paravam de dançar. Ela as observava e se
concentrava no som, tentando entender o segredo dele. Cansada de tanto
observar, andar e se concentrar, sentou-se no piso, com a cabeça baixa. Vendo Sing aparentemente abatida, Rock foi até ela.
- Garota, por que você está
assim? - perguntou Rock.
Com vergonha de falar, ela
nem olhava para olhos dele, com receio de demonstrar que o achava feio e não
entendia o porquê de ser sentido e encantar as pessoas.
- Não. Não é nada – gaguejou,
envergonhada, já olhando timidamente para Rock.
- Pode falar garota. Não
tenha medo de falar. Hum...! Ah...!
Imagino o que seja. Ouça... Apesar de eu ser rústico, veloz e (parecer) feio, sou sentido, encanto e toco as pessoas porque estou preso a
algo. Eu estou preso ao CD. O meu segredo é o CD. Sinto em você o desejo de só
viver livre e não querer se prender a nada. Se você quer ser sentida e
encantar, precisa prender-se a algo, como se prender ao CD. Lá no fundo está o
CD; lá naquela lareira, você o encontrará. Se você quiser prender-se a ele,
esta é sua chance.
- Como você sabe tanto
sobre mim e o que penso? – perguntou, surpresa.
- Você está vendo aquele
rapaz na janela: Speechlees? Ele disse que não encanta nem toca ninguém,
apesar de ser lindo e romântico; e não entende como posso ser sentido e
encantar sendo feio, veloz e rústico: grosseiro. Garota, eu senti no seu tom de
voz e em seu olhar uma certa injustiça e inveja de mim
e um grande vazio. Seu olhar era igual ao de Speechlees.
Depois de ouvi-lo, não
falou mais nada, entendeu bem o recado de Rock e foi em direção à enorme
lareira, que ficava ali mesmo no quarto, para se prender ao CD, cuja metade era
branca, outra era preta; tinha forma redonda e o tamanho do Sol visto da Terra;
feito de diamante, flutuava, brilhava e pulsava.
O andar de Sing dava
pausas em Rock: no som dele; e assim que chegou em
frente à lareira, o quarto ficou em silêncio: Rock ficou calado; todos dali
ficaram observando a canção, que ao ver o CD dentro da lareira com chamas,
sentia medo de entrar nele.
- Para ser sentida e
encantar, tenho de me prender ao CD. Essas chamas vão me machucar? Acho que vou
me machucar. Estou com medo das chamas e de me prender ao CD. E agora? – pensou
alto ela, já bem em frente da lareira.
Todo mundo esperava a decisão de Sing, a qual não sabia que estava sendo observada. Não
demorou muito para ela sentir algumas batidas nas
próprias costas, e ao olhar para trás, viu Speechlees
com um olhar apaixonado, cantando: - Tenha coragem. Dê-me a sua mão. Vamos
adiante. Eu também estava com medo e pensava como você. Eu poderia ir sozinho
para o CD, mas senti que não era o momento. Eu esperava por algo, esse algo é
você, Sing. Há dias, eu estava esperando sentado na
janela algo especial aparecer: você.
Sem conversar, pegou nas mãos dele, e os dois
caminhando, entraram na lareira. As chamas não os feriam porque eram uma ilusão. Às 2:22 da manhã,
ao tocarem com polegar esquerdo no CD, o casal foi sugado por ele: Entraram em
um mundo nunca habitado por nenhum som, vida... onde
só tinha duas nuvens: aquelas que conduziram o olhar da canção. Esse mundo era
como a Lua, mas ao passo que Sing e Speechlees andavam juntos, criavam vidas nele: flora,
fauna, melodias...
No CD, logo que os dois entraram, Rock, que tinha a religião como companheira,
sumiu: foi descansar, e aquelas pessoas: homens e mulheres que dançavam
alucinadas, separadas e de olhos arregalados, passaram a dançar lentamente,
juntos e de olhos fechados. Casais bem abraçados dançavam ao som de Sing e Speechlees, que, presos ao
CD: coração divino, tornaram-se UM “Sól”, uma melodia, uma nota musical, um astro... De lá, os
dois já podiam encantar e ser sentidos por todo mundo, uma vez que foram
gravados por Deus.
Antes do casal, aquele
mundo: um compartimento do CD, era vazio, o vazio que
os dois sentiam. Agora, o mundo é cheio de vidas, sons, afetos, esperanças e
alegrias: águas de Lá, que parece a Terra em época de outono.
O Vento sabia que aquele
dia em que se despediram, seria o último em que se veriam. Por isso, deixou de
si um pedaço dentro da orelha dela; pedaço, que criou a Brisa no mundo de Sing, a qual, agora, já o sente como um amigo. A Brisa faz
lembrá-lo e mata um pouco a saudade dele quando a canção fica sentada nas
árvores pensando nos momentos em que passaram.
Ao se prenderem ao CD:
AMOR, os dois sentem uma liberdade maior que a de antes. O vazio que ela sentia
foi preenchido por Speechlees. Encantados e
encantando, já vivem no mundo, por eles, CHAMAdo
Amor.
O CD não pode ser arranhado
nem destruído por nada e tem infinitos compartimentos esperando ser preenchidos
por Vocês.
Ruilendis