"Sem Futuro"


Belo palácio, contudo, ares de alcatraz.
Estou na calçada deste palácio em paz.
Não entendo por que joga em mim água fria
E com mais seguidos gritos de intolerância;
Mas, somente um tranqüilo canto é o que eu queria.
Não precisava expor essa monstruosa ignorância,
Afinal, eu estava totalmente calado. 
Sou um abandonado, não quis ser assim.
A cada mau trato, me deixa assim ruim;
E saio desta calçada assustado e irado.

Preconceito é desrespeito e fere pessoa.
Por isso, que, agora, meu astral anda à toa.
Subtraíram um pouco da minha esperança,
Fazendo cravar em meu peito uma corrente.
Face inocente é tomada pela vingança;
Por causa de alguns seres, fico indiferente.
Nem todo mundo nasce com a mesma sorte.
Não estou exigindo alimento de graça,
Apenas não me deixem sofrer numa praça.
De qualquer forma, fico cada vez mais forte.

Esse fantasma do preconceito me assombra,
Até dá susto na minha intocável sombra.
Ficam olhando para mim com um desprezo;
Alguns olhares desprezantes são cortantes,
Deixando o apreço de qualquer um indefeso.
O que preciso são de brilhos semelhantes;
Não me joguem falsos sentimentos de pena;
Ensinem-me a criar asas da liberdade;
Eu também tenho direito à felicidade 
E construir como muitos a própria cena.

Olho inocentemente pra dentro de mim, 
Noto que você e eu temos algum afim.
No meu interior não há nada de anormal,
Porém, quando olho friamente para fora,
Percebo que meus vestes estão muito mal.
Agora, entendo por que me mandam embora:
Sou produto usado pelo nosso egoísmo.
E jamais me passaram nenhuma instrução.
Em alguns sangues escorrem a corrupção,
Fazendo muitos escorregarem pra o abismo.

Quando bate uma fome na minha barriga,
Eu sinto um grande vazio que me castiga:
Oh! como é tão difícil me manter em pé.
Não levo cara e coroa nem uso máscara.
O meu interior está repleto de fé,
Mas existe e persiste um ronco que não pára.
Às vezes, a fome atiça um lado gatuno;
Ninguém me dá oportunidade de trabalho;
Também me encaram e tratam feito espantalho;
Por isso, indigente, sobrevivo em jejuno.

Nosso Senhor, nos liberte deste terror;
Envie pra este mundo um abraço acolhedor.
Em corações, forma-se um cenário sombrio.
Nas ruas sobrevivem diversas crianças,
Tendo como seus vizinhos o medo e o frio;
E elas só querem cobertores de esperanças.
Para viver, é preciso mais que bravura.
Tem gente querendo pisar em sentimentos,
Pois sente prazer em alheios sofrimentos,
E acaba enchendo nosso mundo de amargura.

Eu grito porque pisam em minha moral;
Toda fera tem um lado sentimental.
Neste momento, é difícil manter a calma
Ao pensar que a injustiça ainda prevalece.
A miséria é existente, porém não é carma.
Não adianta lutar contra miséria com prece,
Se nem conseguimos vencer nossa ganância.
Será que evolução humana é a destruição?
Há muita gente sobrevivendo no chão
Que nunca sentiu os prazeres de uma infância.

Será que alguém aí consegue ouvir nossas vozes? 
Quem se faz de surdo, deixa gatos ferozes.
A pequena nobreza vivendo enjaulada
Com medo do abandonado gato carente:
Uma pessoa urrando porque quer ser amada,
Exige direito a uma vida mais decente.
Roubam sua subsistência, enfraquecendo a essência.
A pequena nobreza sempre vira as costas, 
Expulsando nossos irmãos com guarda-costas,
E ainda nobres choram... queixam-se da violência.

Quando se coloca o terno da fantasia,
Fica fácil de disfarçar a hipocrisia.
O nosso mundo mudando a cada segundo,
E quase todo mundo não vê mais ninguém,
"Ninguém" é excluído e se torna moribundo;
De tanto receber o mal, esquece o bem.
O verde está sempre dando lugar ao branco;
E máquinas funcionando em direção à morte.
Na vida, só é feliz quem nasce com sorte,
Onde seu valor está no valor do banco.

Embora eu esteja parecendo um maltrapilho,
Houve pessoas que me trataram como um filho.
Felizmente sempre existe gente decente.
Pra mim, alimento era sua palavra amiga;
Só com um diálogo, eu sentia o presente.
Afeto de mais nos liga, jamais intriga.
Agora, deito como uma pedra de argila.
O meu cobertor são jornais da liberdade.
Apesar de não cobrir a dificuldade,
Adormeço, pois tenho consciência tranqüila.


Ruilendis