Um Pedaço de Papel

Um Pedaço de Papel

 

 

Por uma coleguinha de classe, o meu primeiro amor, sentia eu um sentimento sublime e ímpar que nunca senti por ninguém. Embora aquele sentimento fosse imenso, a coragem era pequena: Não cheguei a demonstrar o que sentia para ela, que era bonita. Eu já me achava feio e sem chances de namorá-la.

No dia em que completei 7 anos, eu estava estudando com colegas no lar dela, o qual ficava próximo ao meu. Ela foi a única pessoa que se lembrou do meu aniversário, e ainda, deu-me um beijo na bochecha e um presente: um papel: um pedaço de papel: um poema: um poemeto. Fiquei tão, tão surpreso, paralisado, nervoso, sem palavras, não acreditando no que tinha acontecido; esqueci até de lhe expor o famoso obrigado. Nem cheguei a ler, dei uma rápida olhada, notando que estava escrito em versos; e o guardei no bolso da minha calça comprida, para degustar, sozinho, aquelas palavras calmamente ao chegar em casa. Apesar de eu nem sequer ter mastigado, achei mui doce aquele pedaço de papel e o meu melhor presente até então.

Saí de lá de noite; voltando para minha casa, feliz, sentia-me mais criança. Contudo, durante a caminhada, faltou energia. Ficou tudo escuro; e na rua, fui abordado por um assaltante, um garoto armado com um pedaço de vidro que tocava as minhas costas. Ele, nervoso, exigiu-me o que tinha de mais valioso. E eu, inocente, assustado, mais nervoso do que o outro, dei-lhe aquele pedaço de papel, embora estivesse eu com roupas novas, um relógio e uma corrente de prata. Logo que pegou o papel, saiu correndo. Certamente, pensou que aquele papel fino fosse uma nota de dinheiro.

Eu não conseguia caminhar devido ao susto e escuro. E na hora em que chegou a energia, apaguei, caí na real, sentia-me sem luz e comecei a andar chorando.

Chegando em casa, a minha tia percebeu no meu jeito algo de errado em mim, e me perguntou o que tinha acontecido. Eu lhe respondi que fui assaltado.

Ela me olhou dos pés à cabeça, e afirmou que menti, pois eu estava com todos os pertences.

- Tia, levaram um presente que ganhei de uma coleguinha, um papel com um poeminha – disse eu.

- Ah! então foi isso. Só foi um papel. O importante é que você está bem e não perdeu nada. Está inteiro! – falou sorrindo, aliviada.

20 anos depois... ganhei um sorteio promovido por uma editora, para passar um dia com um grande poeta da época, o meu ídolo. Ser sorteado foi o segundo melhor presente de minha vida.

Caminhando e dialogando, eu estava bobo ao lado do poeta, que me mostrava toda a sua casa, a mansão. Num dos 18 quartos estavam seus quadros, prêmios, esculturas, objetos de arte... Ele me desafiou a descobrir dentre aquelas coisas o que mesmo mais amava. Fiquei sozinho naquele imenso espaço andando, observando, procurando o objeto amado.

Todas aquelas coisas me causavam impacto. Fiquei deslumbrado com tanta riqueza.

Mas, minutos depois, não tive dúvidas de que o amor dele era um quadro. Este guardava um papel, um poemeto escrito a mão; e fiquei com quadro de disforia, nervosismo, tontura. Eu não acreditava no que via: o poema atrás daquele vidro retangular o qual estava em minha frente era o poema que eu tinha ganho de meu primeiro amor. Ali em pé, com a vista arregalada, eu parecia mais uma decoração, uma estátua.

O poeta ao me ver contemplando aquele quadro, não acreditava no que eu tinha descoberto; estava tão surpreso como eu. Só senti o momento no momento em que ele me tocou. E começamos a conversar:

- Como você descobriu que esse quadro é o que tenho de mais valioso? Você foi a primeira pessoa a descobrir dentre tantas – perguntou e depois comentou, abismado.

- Sei lá. Foi sorte, acho. Este quadro parecia um imã. Ele me puxava. Como você conseguiu esse pedaço de papel? – falei e perguntei, muito curioso.

- Vou lhe contar sobre esse poema, que tanto adoro. Mas que fique entre nós. É o grande segredo de minha vida.

- Pode falar. Vão morrer comigo suas palavras.

- Bem... tive uma infância sofrida, marcada pela pobreza. Uma vez, eu, adolescente, assaltei uma criança para dar um presente ao meu irmão, que fez aniversário naquele dia. Eu não tinha o que dar a ele. Aí decidi roubar. Foi desespero meu. Em meio à escuridão, eu, com uma arma, obriguei a criança a me dar o que tinha de mais valioso; e ela me deu um papel. Achei que era dinheiro. Mas, aquele papel era um poema. Somente descobri ao chegar em casa. Me apaixonei por aqueles versos, que me tocaram profundamente. Então passei a estudar e gostar de poesia e comecei a escrever poemas. Só sou um escritor graças a esse papel, que mudou a minha vida completamente. Na verdade, eu que saí presenteado naquele dia. Mas me arrependi do que fiz. Dias depois, eu ficava na rua à procura daquela criança para devolvê-lhe o poema. Só que eu não a encontrava; passei dias procurando-a. Até hoje, eu sinto muito. Queria rogar a ela o seu perdão.

Depois da revelação, fiquei em silêncio e indiferente. Eu deveria sentir raiva dele, pois, roubou parte de mim, a única declaração de amor que recebi. Passei 20 anos pensando no que estava escrito no papel; e apenas naquele dia, na casa do poeta, eu soube que minha coleguinha sentia algo por mim. Descobrir que fui amado foi um dos três melhores presentes de minha vida - o melhor - o qual completou a minha trilogia.

Certo dia, na calada da madrugada, sem ninguém saber, entrei na casa do escritor e peguei o poema. Roubar aquele pedaço doeu do mesmo jeito de quando foi tirado de mim. Entretanto, coloquei no lugar do papel outro, que expressava:

Eu

te

perdoou.

 

 

Ruilendis