O Lago se Declara para Patinha
Numa tarde de primavera,
uma família de patos verdes que viviam no lago Inspiração e passeavam de mãos
dadas no céu foi atingida por tiros de caçadores. Dos sete integrantes da
família, somente sobreviveu a “patinha-mãe”, que viu os filhos seus e o marido
sendo levados pelas raposas dos caçadores.
No mesmo dia da tragédia,
nadando no lago Inspiração, a patinha, bem triste, se lembrava dos momentos
felizes em que passou com a família; sentia tanta dor ao lembrar, que uma pena
do seu peito esquerdo saiu, caindo no lago, e em vez de a pena boiar, afundou,
plantando-se na areia. Após sete dias, uma luz vermelha vinda do Sol atingiu a
pena, que se transformou em um coração d’água, o qual deu vida ao lago.
O lago já apaixonado
observava o cotidiano da patinha verde, que não sabia que ele tinha vida e a
observava constantemente. Toda vez que ela saía da água, o coração dele pulsava
bem devagar porque o lago ficava triste sentindo falta da presença da pata.
Após sete dias de vida, ciente dos seus sentimentos por ela, queria se declarar,
mas estava como medo da reação da mesma, e resolveu pedir opinião para alguns
dos seus habitantes.
- Eu estou apaixonado pela patinha verde. Devo
me declarar? O que ela vai achar disso? – perguntou ao peixe mais velho.
- Alguém deve ter jogado uma
garrafa de cachaça
Já no dia seguinte, perguntou ao peixe mais novo:
- Estou apaixonado pela patinha verde. Devo me declarar para ela? O que ela
deverá sentir?
- Eu nasci ontem; tenho
poucas chances de viver, mas tenho de ir em frente; não posso me esconder num
buraco para sempre. Só serei adulto se eu tentar lutar pela sobrevivência. Acho
que você tem que se declarar. Você tem que tentar, mas acho que ela vai sentir
pena.
O lago decidiu declarar-se
para pata depois de pensar muito sobre o que os peixes tinham dito. E no verão,
numa noite de lua cheia, quando ela brincava na margem dele. Através de bolhas
vermelhas que subiam, declarou-se:
- Psiu!
Patinha.
- Quem está aí? - perguntou
ela, assustada, colocando a mão no coração.
- Sou eu!
- Eu quem?
- Sou eu, o lago.
- Lago?
- Venha até aqui; não tenha
medo; jamais te machucarei; só preciso contar-lhe um segredo.
- Pode dizer o seu segredo; sou toda ouvidos. - A patinha aproximou-se para ouvir o que ele
tinha a dizer, olhando para a água.
- Você conseguiu dar vida a
um lago; sua pureza atinge minha profundeza; sua doçura deixa-me mais doce. Um
dos meus melhores momentos do dia é na hora em que estou em repouso: sonho com
patinha nadando
- Lago,
estou sem palavras. - A patinha ficou muito dengosa e envergonhada com
as palavras dele.
- Ao você ficar assim
dengosa, lago logo te oferece uma vitória régia. - Uma vitória régia saiu do
fundo da água, caindo nas mãos dela.
- Obrigada, doce lago. Vou guardar esta
vitória régia com muito carinho.
- Quando você me sobrevoa, fico sorrindo à
toa. Eu mandava meus peixes pularem para chamar sua atenção, e assim que você
olhava, eu transbordava.
- Ah! então
aqueles peixes que pulavam eram pra chamar a minha atenção; agora entendo a
euforia deles.
- Patinha, adoro quando
você se banha em mim; sentir seus pés nas minhas águas; suas penas me faziam
cócegas. Hum! seu perfume me enlouquece; sou um lago
que exala seu cheiro. O seu corpo me aquece; ah! como
é bom ser sua banheira.
- Eu estou tão
envergonhada.
- Ei!
não fique envergonhada. Quando você tomava banho, eu
ficava de olho fechado. Não é papo pra patinha dormir: você é meu melhor
presente porque está comigo sempre presente.
- Você é muito engraçado -
disse sorrindo ela.
- Ei!
seu sorriso deixa-me quente. Você é uma patinha muito
vaidosa; minha água servia como seu espelho. Sua boca é tão gostosa; eu ficava
vermelho; você me bebia era como um beijo; você me mexia era como um cafuné.
Suas mãos me fazem ninar. Às vezes, eu ficava gelo só pára você me patinar.
- Então, você ficava gelo só
pra me divertir. Eu adorava brincar de patinar. Obrigada, lago por querer me
fazer feliz.
- Você sentava na minha
margem e jogava pedrinhas em mim, fazendo pedidos com inocência. Até hoje, me
emociono ao lembrar dos seus pedidos. Mas teve um pedido que... me fez afogar: você alisou a barriga, fechou o olho esquerdo
e desejou, mais uma vez, ser mãe um dia; você ficou cachoeira, até parecia uma
bobinha. Lago, aqui, ria. Ah! como eu queria... acariciar tua barriguinha. Naquele dia, também, fiz um pedido: deixar de
ser um lago imortal, para ser um pato mortal; é que..., é que..., é que... quero ser o "PAIto" dos
seus "patitinhos". Ei...
desejo tanto cuidar de você; quero ser seu pato; ter
muitos patitinhos com você; quero morrer um dia, mas
morrer ao seu lado. Desejo sair por aí para trazer comida para você e catar
palhas para o nosso ninho; e, enquanto você choca os ovos, eu canto pra você: Quac... quac...
quac: eu te amo! Poxa! Como eu te amo.
Depois da declaração do
lago, a patinha apaixonou-se, e durante sete minutos, ficou imaginando-o sendo
um pato; imaginava-o um doce pato dedicado. Mas, assim que voltou à realidade,
percebeu que seria difícil de ser realizado o sonho do lago de ser um pato. E
mesmo se realizasse, outros animais seriam
sacrificados, pois muitas vidas dependiam dele.
- Oh! meu
doce lago. Suas palavras são profundas luzes que me adoçam. Vou me jogar em
você; quero me derreter
A pata querendo suicidar-se, lançou-se no
lago, mas as águas não a afogavam.
- Não faça isso, Patinha! -
implorava.
Ela gritava dizendo que
queria morrer e unir-se a ele. Mesmo debaixo d’água, respirava como se fosse um peixe; logo, passou
a descer bem fundo querendo morrer. Já no fundo, andava na areia parecendo uma
moribunda; estava triste porque não morria. Andando sem destino, falava: - Lago, quero me unir a você.
Depois de sete minutos de
andança, encontrou o coração do lago, que pulsava bem rápido e brilhava. Antes
de tocar o coração, ela disse: - Tudo isso que está acontecendo conosco, acho
que é GRAÇA divina; eu sinto a PENA do pombo divino levando-me às nuvens do
paraíso.
No momento em que tocou no
coração, ela se transformou numa pérola e o coração do lago numa ostra que
continha a pérola. Então, os dois puderam viver para sempre juntos no fundo
lago, que ficou sem vida.
O peixe mais velho
e o mais novo tinham razão: A patinha achou GRAÇA (divina) e sentiu PENA (do
pombo divino).
Ruilendis