A Ocasião
Com o céu nublado, numa
noite fria, num parque, eu e Amorita, quentes,
namorávamos sentados num banco de madeira embaixo duma árvore grande com
pequenas folhas amarelas. Era o nosso segundo encontro: Eu ao lado dela,
sentia-me no céu em que éramos os únicos habitantes, via estrelinhas e poesias
em todos os cantos e estava tão... tão... encantado e apaixonado, que... os
meus pés não sentiam a pele do chão e minhas mãos sentiam o tocar da utopia.
Para sentir o odor e o
calor daquela Ocasião, eu deixava até de surfar nos
lábios de Amorita. Abraçados: eu bem colado com o meu
bem, sentia pela primeira vez em minha vida o corpo da Ocasião, a qual tinha a
face e o coração de Amorita, a qual me dizia que eu
estava ausente, distante; certamente por eu não me concentrar nos beijos e por
ficar contemplando tudo ao meu redor. Ela tinha razão: Eu, por alguns
instantes, estava ausente, mas, porque queria sentir a Ocasião: presente.
Ah! os nossos pescoços:
namorando, enroscados, acariciando-se, deixavam-me sorrindo em cima duma
montanha que ultrapassava as nuvens, avistando a raiz da vida e tocando as mamas
da atmosfera.
Estava tão inspirado
naquela Ocasião, que eu sentia dentro das minhas entranhas a inspiração
ninando. E eu sussurrava bem no ouvido dela: - Amor...ri...ta!
Amor...rii...ta! Amor...ri...taa! isto é um sonho; não me beija não! senão
posso acordar; Deus, obrigado por esta Ocasião! Que Ocasião gostosa! Amor...ri...ta... cê
deixa meus prantos beijarem teu rosto?
A lembrança daquela Ocasião é um presente
divino que espanta a solidão e a tristeza e é o primeiro amor e companheira do
meu ego.
No momento em que eu não a
beijava ou contemplava tudo ao meu redor, contemplava bobamente os seus olhos
de amêndoa (meus olhos pareciam duas crianças encantadas de mãos dadas
brincando de ciranda). Eu já ficava colocando (e tirando) franjas naquele rosto.
Ao tocar e arranjar os cabelos dela, sentia-me um Artista tocando em cordas de
harpa que laçavam meus desejos, acordavam minhas carícias e produziam melodias
e ondas no fundo do meu oceano: meu coração. O vento e o meu sopro ardente
duelavam-se para encantar e refrescar aqueles cabelos, que sorriam e ficavam
cheios de ondas.
Seduzir, acariciar a face e
as sobrancelhas dela era ser afagado pela poesia. Mas... quase
toda Ocasião em que eu ficava (bobamente) admirando as estrelas dela: os olhos,
caía uma folha na margem dos seus cabelos. Senti um enorme prazer ao retirar
carinhosamente a primeira folha, no entanto, depois, não sentia mais prazer
retirando as folhas que se atiraram naquele mar negro. No instante em que uma
folha caía, quebrava o encanto entre nossos olhares. A folha parecia uma mulher
gritando que feria a minha concentração. E a folha que se banhava no cabelo, eu
a tirava sendo um salva-vidas, jogando-a na areia, mas era o vento quem lhe
fazia respiração boca-a-boca.
A oitava folha deixou-me irritado, fazendo-me
levantar e gritar com a sua criadora: a árvore. Enquanto eu resmungava, Amorita sorria daquela situação. Eu não entendia o porquê
do sorriso, que me deixava sem graça. Após minha bronca, não caiu mais nenhuma
folha nos cabelos dela; assim, nossos olhos puderam namorar muito tempo.
Houve um instante em que,
quando nossos olhos se dialogavam e me declarava, eu, inconscientemente,
alisava o banco; e ao parar de alisar, ele se partiu; por pouco, eu e ela não
caímos nos braços do chão.
Como os outros bancos
estavam ocupados por outros casais, resolvemos ficar ali mesmo, namorando em
pé: Era tão bombom ficar com ela; abraçados em pés, eu a apertava como
estivesse espremendo nossa carência e libertando nossa essência. Se sentado, eu
já me sentia no céu, ausente..., em pé, abraçando-a e com o vento cobrindo-nos,
sentia-me um superpoeta voando no céu do Éden, para
salvar o tempo perdido. Descrever mais aquela Ocasião, o abraço... é expulsar a magia da imaginação da mente. Não posso mais
descrever (Imagine!!!).
Logo depois, nós dois
dormíamos em pé, sonhando e sonhando. Através daquele abraço: nosso forte e
imenso laço, eu subia, subia, subia, subia... Ufa! cheguei até Deus: Eu
falava tão baixinho no ouvido dela, que só ele podia ouvir. Eu e ela, possuídos
pela paixão, ficamos
- Deus! Deus! - sussurrei.
- Diga! Diga!
- Tenho um sonho. Como a
amo, almejo o amor dela. Vós podeis realizar este sonho de ter o amor dela?
- Sim. Posso realizar teu
sonho; mas o que tu tens para me dar em troca?
- Meus dons. Eu troco meus
dons pelo amor dela.
- Mas são os teus dons que
te levam a inspiração, a mim e te deixam no céu. Sem eles, tu perdes as asas.
- Deus! o
amor dela me leva além de tudo o que divino.
- Tu nem sequer sentiste o
amor dela, como sabes?
- Porque só ato de pensar
no amor dela leva-me além da inspiração. Deus! Para chegar ao céu, ao senhor e
voar, é melhor ter amor do que ter asas.
Só saímos do transe quando
penas de pombos-correios caíram sobre nós. E, ainda abraçados, Amorita Afrodita, que é uma poetisa e me faz pescar a
Ocasião – sussurrando – disse-me pela primeira vez que me ama e sentia ciúmes
da Ocasião, a qual ficava com ego cheio por minha causa e me seduzia; e me disse,
também, que as folhas que caíram nos cabelos, queriam ser salvas pela minha
mão, almejando sentir a doçura e a maciez do meu tocar: era a árvore almejando
ficar no lugar dela; que as folhas pararam de cair em virtude de a árvore ter
ficado magoada com meus gritos; e que o banco quebrou-se por causa do peso de
meu carinho.
Hoje, eu e ela, idosos, com
8 filhos (o mesmo número de folhas que caíram no cabelo dela), namoramos,
constantemente, com a mesma paixão de antes e um amor inabalável, naquele mesmo
parque e num banco de madeira que substitui o outro, que
se partiu. Aquela árvore não existe mais, mas deixou outra em seu lugar: sua
filha, a qual é tão grande como mãe e tem folhas pequenas mas
vermelhas, que ao caírem sobre os cabelos
brancos de Amorita, não quebram nosso encanto.
Agora, as folhas fazem parte do nosso encanto. Só que as coloco nos braços do
banco para as mesmas e o banco namorarem assim como eu e minha doce poetisa.
Quando queremos contemplar
um casal namorando, contemplamos as folhas e o banco, que as abraça e beija com
o soprar do vento. Da árvore, a raiz que toca o pé do banco é o coração deles.
Ah...! arrependo-me de ter
gritado com aquela falecida árvore grande. Provavelmente, se eu não tivesse
gritado, eu teria mais filhos. Cada folha que caiu no cabelo de Amor era um
filho que estava por vir.
Amor...ri...ta! não fiques com ciúme da Ocasião,
pois és tu quem lhe dá luz.
Ruilendis